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Palmério Dória: 'Eu estou inclinado a voltar outras vezes no Maranhão'

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Palmério Dória: O Sarney é muito coerente...
No dia seguinte a noite de autógrafos realizada no auditório da UEMA a convite do Diretório Central dos Estudantes, o DCE, de Imperatriz no Estado do Maranhão, Palmério Dória concedeu-nos de forma muito serena esta entrevista. Sem denotar maiores preocupações e demonstrando muito firmeza nas respostas, Palmério não sentia sequer o menor esforço físico da noitada anterior. E olha que foi uma noite e tanto..


Depois de quase ser atingindo com ovos e tomates, junto com seu Manoel da Conceição, jogados por invasores ligados ao Senador José Sarney, teve que autografar mais de cem exemplares do seu mais recente livro, Honoráveis Bandidos e ainda dar uma volta na cidade, em companhia dos membros do DCE e de alguns organizadores do evento. Resultado: foram parar na Beira Rio, as margens do Rio Tocantins, celebrar a vida respirar um pouco depois do cansativo e emocionante evento.
Encontramos Palmério do hotel. Foi fácil entrevistá-lo. Assim como fácil é a sua escrita. “Não tenho pretensões em escrever sobre a Historia do Brasil”. Diz, “Mas adoro quando os historiadores me citam”...*

Palmério, é costume nosso pedir que o entrevistado inicie falando de suas origens, até da infância se quiser, e de como veio se tornar o que é hoje em dia...
Bem, a infância fica muito distante né (risos)? Mas eu sou de uma turma de “práticos”, eu não fiz faculdade, eu tive sorte em conhecer pessoas muito boas no ofício de jornalismo e que foram a minha verdadeira escola, então minha vida profissional no fundo foi feita de parcerias. Eu tinha um amigo chamado Lucio Flavio Pinto, que em Belém tem um jornal chamado “Pessoal”, um dos últimos jornais alternativos do país, nanico, e é dele próprio e nos somos amigos desde Santarém no Pará. Em São Paulo eu tive a sorte de conhecer a turma egressa do “Realidade”, e o Realidade como você sabe foi atingido pela AI-05, em pleno vôo e essa turma teve que se refugiar no que chamou depois de impressa alternativa, havia o Pasquim, depois uma publicação chamada Bondinho, e depois o Ex, por que era “ex” tudo. Então a minha turma era o Milton Severiano, meu parceiro em Honoráveis, o Hamilton Almeida, o Sergio de Sousa, que além do Realidade, foi fundador da Caros Amigos. Então, foi essa turma aí que me deu régua e compasso.

E o que aconteceu com Ex? Virou ex também?
O Ex acabou e nós ainda lançaríamos umas edições fac-símiles lá em São Paulo. Mas ele acabou mesmo por que foi o primeiro jornal e único a “dar” a morte do jornalista Wladimir Werzog. Essa matéria inclusive foi uma obra prima de jornalismo em equipe, os grandes jornais não podiam noticiar isso e eu iria comentar sobre ontem lá no auditório da UEMA se nós também não fossemos “abatidos a tiros”, literalmente (risos). O interessante dessa época é que um grupo de jornalistas foi lá a nossa redação pedir para que não publicássemos a matéria sobre a morte do Wlado*. Alguns dos figurões da impressa disseram pra nós que era perigoso noticiar, que nós estávamos fazendo um desserviço para a abertura do processo democrático, que éramos porras-loucas e tal...Imagine um jornal sub-locado no bairro do Bexiga. Mas enfim escrevemos a história do Wlado e foi um estrondoso sucesso, vendeu-se mais de 30 mil exemplares, e o jornal acabou fechado.

Bom, já que você se reportou ao período da ditadura militar, ontem no auditório da UEMA, tivemos um episódio semelhante ao que aconteceu diversas vezes neste dito período, quando grupos ligados ao regime invadiam eventos culturais e reuniões para tumultuar, reprimir, etc. Assim como espancaram os atores da peça Roda Vida** nos anos 60, ontem, invadiram o lançamento de um livro na Universidade Estadual do Maranhão. Qual a sua avaliação sobre isso?
Olha não é uma surpresa, o Sarney, ele é muito coerente. O Sarney se reporta a isso. Nós saímos da ditadura mais a ditadura não saiu dele . Por exemplo, ele manteve todo esquema do SNI (Serviço Nacional de Informação), que vigora até hoje, ou seja, você procura inimigos internos. Até hoje organizações como o MST são perseguidas, até hoje estão descobrindo pêlo em ovo, como a exemplo dos índios de Roraima, que eles acham que vão construir um estado independente. Então esse velho SNI sempre está procurando inimigos internos. Agora você imagine estudantes defendendo o status quo? Isso não existe, somente num delírio Glauberiano*** poderíamos ter visto aquilo de ontem. Aqueles cinqüenta fascistóides que invadiram o auditório, financiados e patrocinados, gritando e chamando o Sarney de guerreiro, era uma coisa de teatro do absurdo****, não há lógica nenhuma nisso.
Agora há muito tempo eu não via algo parecido: tiros, bombas de efeito moral. Enquanto nos estávamos lá autografando, escutávamos os tiros e bombas e eu ficava pensando: “isso não pode estar acontecendo, só pode ser teatro do absurdo”. A comparação com o “Roda Viva” é bastante pertinente, por coincidência um dos atores da época dessa peça, o Paulo César Pereio, talvez seja o meu melhor amigo hoje em dia, e ele conta o episódio com cores muito vivas. De um jeito ou de outro, mudando a época, mas o jeitão é esse: intervenção na porrada e com conivência policial, não declarada, mais evidentemente que havia um acordo com a polícia ontem né?


Você acha isso? Lembrou mesmo a ditadura militar?
Claro, claro. Por que é todo esse jogo né! Quer dizer um aparato fascitóide puxado com conivência policial para interferir num lançamento com uma figura acima do bem e do mal como Manoel da Conceição, que é uma entidade! É preciso muito peito pra ofender, pra agredir um homem desse porte né, que teve que em determinado momento, depois de ter perdido uma perna por causa da ditadura, de Sarney, teve que se deitar ontem no auditório, fugindo desses bárbaros. Isso é brincadeira, não tem a menor graça. Prova de que a família Sarney de hora em hora ela piora!

O senhor no seu trabalho junta elementos, faz interligações muito próprias, típico cacoete dos bons historiadores, sem usar uma linguagem muito rebuscada. Qual linha metodológica o senhor utilizou neste livro Honoráveis Bandidos?
Bem, olha só! Eu não gosto da expressão “jornalista investigativo” ou repórter investigativo. Todo repórter é investigativo. Não existe repórter não investigativo. Quando você utiliza a internet, por exemplo, um telefone que seja, você já está investigando. Meu trabalho não tem nada que ver com a linha metodológica de História do Brasil. Eu adoro a História do Brasil, adoro os historiadores, mas meu trabalho é reportagem pura. Eu gosto quando meus livros são utilizados por historiadores, como o Skidmore usa, o Elio Gaspari usa, enfim. Sejam em notas pé de pagina ou de qualquer forma, é gratificante.
Eu sou da velha escola de jornalismo. A gente acha que a reportagem é o maior barato. Esse trabalho na verdade poderia ser publicado numa revista como aquelas de outrora como “A Realidade”, que era de textos alentados, cheios de detalhes e essas coisas. Eu acho que Honoráveis Bandidos não passa de uma grande reportagem, no sentido de grande mesmo, acontece que nós, jornalistas da minha turma, hoje em dia, não cabemos mais nas redações dos jornais. O que nos resta então?!? É continuar a fazer reportagem. Como? Em livro né? Foi a alternativa que pintou. Ninguém escolhe seu destino totalmente, as coisas meio que vão acontecendo e você vai se colocando diante de tudo isso. Nós vamos meio que nos adaptando assim aos novos tempos.


E como a idéia de fazer “Honoráveis” foi sendo elaborada? Quais os elementos objetivos que te motivaram a escrever este trabalho especificamente?
Se eu for pegar a pré-história desse livro eu vou chegar ao jornal “O Nacional”, que eu já fazia com outra turma, com o Tassio de Castro, do Pasquim, que era um jornal de oposição ao Sarney, feito pra morder o calcanhar dele no período em que ele foi presidente da “Nova República”. Eu falaria também do “Revolta”, que foi um jornal fundado em Volta Redonda-SP, depois de um massacre promovido pelo Sarney, onde ele botou exército em cima dos trabalhadores lá. E depois dando um salto de dez anos veio o livro “A candidata que virou picolé”, um livro de ocasião né? Que tem origem numa reportagem que denunciava o esquema Lunnus e virou um livro de banca. Daí em diante eu nunca mais perdi de vista a família Sarney.

Por que ?
Porque as pessoas não fazem o óbvio. As pessoas não estão interessadas em fazer o óbvio. O que tá na cara ninguém faz. Então várias pessoas me desestimularam perguntando: Ué, mais por que o Sarney? Como se o Sarney não estivesse na nossa vida há séculos! A era Sarney não acabou! Ele está mandando, ele participa de toda a engenharia política do país, ele provavelmente estará com Dilma, ele provavelmente estaria com o Serra, ou estará com o Serra se o Serra vencer a eleição. Então a capacidade dele é fantástica, é camaleônica. Ele não pode ser subestimado. Alguns historiadores que eu entrevistei pra fazer este livro me perguntaram; Por que Sarney? Aí eu dei aquela resposta óbvia: e por que não o Sarney ? E continuei a fazer o livro.

Palmério, gostaria de te agradecer pela entrevista e para encerrar: Você pretende voltar para outras noites de autógrafos no Maranhão?
Olha, depois da intimidação de ontem no auditório da UEMA, eu estou inclinando a voltar outras vezes. Nossa produção já está aberta para os municípios que tiverem interesse em receber o evento. Acho que viver é isso né?

*Wlado-apelido do jornalista Wladimir Herzog, morto nos porões da ditadura militar.
**Roda Viva - peça teatral dos anos 60, escrita por Chico Buarque, e que sofreu repressões por parte de grupos ligados a direita brasileira. O caráter contestador da peça mexia profundamente com os problemas que cercavam o país na época,
***Glauberiano – expressão baseada na linguagem cinematográfica do diretor brasileiro Glauber Rocha, e o chamado “Cinema Novo” que consistia na premissa “uma idéia na cabeça e uma câmera na mão”. Não raro vemos os personagens "glauberianos" indo da trajédia grega passando pelo western, na exploração dos grandes espaços e pelo cinema de Bunuel.
****teatro do absurdo - É uma forma do teatro moderno que utiliza para a criação do enredo, das personagens e do diálogo elementos chocantes do ilógico, com o objetivo de reproduzir diretamente o desatino e a falta de soluções em que estão imersos o homem e sociedade. O inaugurador desta tendência teria sido Alfred Jarry (Ubu Rei 1896).
*Entrevista feita aos 13 dias do mês de agosto do ano de 2010 ao historiador Carlos Leen Santiago

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Sobre os episódios de ontem
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